O que o Brasil perde em restringir informações da Covid-19, entenda:

A decisão do governo brasileiro de limitar o acesso aos dados sobre a pandemia do coronavírus no país e a possibilidade de que o número de vítimas seja recontado pode reduzir investimentos estrangeiros, complicar o acesso a empréstimos internacionais, dificultar viagens de brasileiros ao exterior e até atrapalhar a entrada do Brasil no grupo de países ricos OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). É o que dizem especialistas em relações internacionais e saúde pública ouvidos pela BBC News Brasil.

 

“Existe um acordo tácito entre os mais diversos países do mundo de expor o que está acontecendo em cada lugar como uma forma de conter globalmente o problema. Ao reduzir a transparência sobre seus dados, o Brasil passa a ser um risco para a comunidade internacional”, afirma o epidemiologista Rafael Meza, especialista em políticas de saúde pública da Universidade de Michigan.

 

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Segundo Gabrielle Trebat, ex-subsecretária de assuntos empresariais no Departamento do Tesouro americano e atualmente consultora de investimentos, o movimento brasileiro é paradoxal com o interesse de se adequar aos padrões de coleta e publicidade de estatísticas preconizados pela OCDE. O ingresso no grupo de países desenvolvidos foi anunciado como uma prioridade pela gestão Bolsonaro desde o início de 2019. A OCDE utiliza dados e abordagem científica para aprimorar políticas públicas nos países membros. Em um dos textos sobre princípios que norteiam a instituição em seu site, a organização afirma que “Abertura e transparência são ingredientes-chave para criar responsabilidade e confiança, necessárias para o funcionamento das democracias e das economias de mercado. A transparência é um dos principais valores que norteiam a visão da OCDE para um mundo mais forte, limpo e justo”.

 

“A ideia de esconder estatísticas ou dificultar acesso a informações não poderia ser mais contrária aos princípios da OCDE. Isso certamente vai se somar para criar uma imagem negativa do país e dificultar a entrada no grupo”, afirma Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional Brasil.

 

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Segundo Brandão, o modo como o Brasil tem tratado dados públicos tem gerado mal-estar internacional. Ele rememora tentativas de restringir o alcance da Lei de Acesso à Informação, já derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso, e a demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisa (Inpe) em agosto do ano passado depois que dados do órgão mostraram desmatamento recorde na Amazônia. O caso gerou a primeira grande crise de imagem internacional do país.

 

Para Michelle Ratton, especialista em direito econômico internacional da Fundação Getúlio Vargas, “dar publicidade às estatísticas é importante também porque, diante de um cenário de recessão profunda (o fundo monetário internacional estima queda de 5,3% na economia esse ano), o Brasil precisará de capital externo para ajudar a reerguer a economia. “Há uma grande preocupação hoje para que não haja abuso ou corrupção nos auxílios para recuperação econômica. Se o Brasil do nada aparece com um número alto de casos e pede socorro financeiro, esses números vão ser disputados e esse pedido pode ser deslegitimado”, diz. (G1)

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